domingo, 8 de junho de 2008

‘Drogas’ da modernidade

Em meio à correria do cotidiano, muita gente simplesmente perde o controle sobre hábitos comuns como fazer sexo, comer ou usar a internet.

Comer, exercitar-se, fazer sexo, usar o computador... Atividades rotineiras, básicas, outras quase impossíveis de serem dissociadas do cotidiano nas grandes cidades, têm se tornado um problema na vida de muita gente. Como o fumo ou o álcool, esses hábitos estão “viciando” pessoas. São as “drogas” da modernidade, cujo abuso, defendem vários estudiosos, guarda uma ligação estreita com o modo de vida da sociedade atual, onde imperam o consumo, a busca incessante do prazer e onde os indivíduos estão expostos a uma sobrecarga enorme de estímulos e cobranças.
“Vivemos numa sociedade over, onde não se tolera a falta”, observa a pesquisadora Maria Paula Magalhães Tavares de Oliveira, doutora em Psicologia pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Essa ditadura do prazer, aliada à grande oferta e à facilidade de acesso à tais hábitos, tem contribuído para desencadear a dependência não só de substâncias químicas, mas de comportamentos que causam reações de bem-estar. “Com tantas casas de jogos eletrônicos por aí, pessoas que têm predisposição têm mais chances de desenvolver uma dependência.”
Por uma série de razões que envolveriam inclusive predisposição genética – há estudos tentando provar tal influência – as pessoas dependentes de determinados comportamentos não conseguem controlar seus impulsos. São capazes de sair a qualquer hora em busca de um parceiro desconhecido na rua para o sexo; ou de assaltar a cozinha, combinando alimentos doces e salgados, quentes e frios, até congelados, numa gula frenética e inconsciente; ou, ainda, de virar noites em frente a um computador, mesmo que esse esforço as levem à exaustão.
Psiquiatras, psicólogos e psicanalistas não gostam do termo vício, que consideram depreciativo. As dependências comportamentais são descritas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação da American Psychiatric Association, conhecida pela designação DSM-IV, como transtornos do controle dos impulsos. O que determina seu caráter patológico são a repetição sem limites e seus reflexos negativos sobre a vida da pessoa.
“Quando o indivíduo não consegue deixar de fazer algo, mesmo tendo consciência de que aquilo está lhe prejudicando, podemos falar em transtorno”, observa o psiquiatra Jairo Werner, coordenador de estudos sobre tratamento de alcoolismo da Universidade Federal Fluminense. “É diferente de alguém que faz sexo mais de uma vez por dia, mas consegue ter um bom relacionamento com a parceria ou parceiro e manter sua rotina de trabalho ou estudo”, assinala o urologista Gilvan Neiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Não há um limite máximo de tempo para ficar no computador ou de sacolas a serem levadas para casa depois das compras para que um indivíduo seja considerado normal. A linha que nos separa do comportamento doentio é estabelecida pela capacidade de auto-controle. “O compulsivo deixa de cumprir com suas obrigações e de fazer coisas que lhe dão prazer ou se prejudica, para repetir um comportamento”, diz a psicóloga Annelize Lisita Moreira Silva. “Tenho pacientes que não foram a festas de Natal em família, das quais sempre fizeram parte, para ficar no computador”, diz Jairo Werner.
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