segunda-feira, 16 de junho de 2008

Dólar baixo preocupa, mas pode favorecer Brasil, dizem economistas

A moeda da maior economia do mundo já não é mais a mesma. Há tempos o dólar vem perdendo valor frente a moedas de todo o mundo: em 12 meses, a divisa já perdeu quase 15% de seu valor em comparação com o real. As perdas são similares na comparação com o euro.
O gráfico mostra quantos reais são necessários para comprar um dólar
O dólar desvalorizado gera apreensão sobre a saúde financeira dos Estados Unidos e traz instabilidade para a economia mundial.
Na outra ponta, no entanto, pode ser favorável a outros países – incluindo o Brasil – no momento em que a inflação dispara. Segundo economistas, o barateamento das importações pode ajudar a conter a alta dos produtos nas prateleiras, forçando os produtores nacionais a vender mais barato.
O G1 ouviu especialistas para explicar as diferentes causas e conseqüências do dólar baixo para a economia.
Crise nos EUA e fortalecimento do Brasil
Os Estados Unidos enfrentam, desde o ano passado, uma crise imobiliária de grandes proporções, que 'contaminou' outros setores da economia. A inadimplência nos financiamentos reduziu o consumo das famílias, motor do crescimento norte-americano, e gerou uma crise de confiança na economia do país. "Isso é reforçado pelo déficit que os EUA têm na balança comercial em relação ao mundo, inclusive por conta do alto gasto bélico que eles têm", aponta o economista Cláudio Gonçalves, conselheiro do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon). Com receios sobre a capacidade de pagamento dos EUA, os investidores vêm retirando dinheiro do país, que 'migra' para outras economias, onde as perspectivas pareçam mais sólidas. A cotação da moeda segue a lei da oferta e da procura – quanto mais dólares no mercado, mais barato ele se torna. "Há todo um jogo desfavorável ao dólar neste momento. Para os investimentos voltarem para lá, será preciso tranqüilizar o mercado internacional sobre a situação dos Estados Unidos", diz o economista Antônio Cândido Azambuja, professor das Faculdades Integradas Rio Branco No início deste mês, o presidente norte-americano George Bush reconheceu a preocupação com a desvalorização da divisa. "Muitos americanos estão preocupados com nossa economia, eu posso entender o motivo", afirmou. Enquanto a economia dos EUA perde força, a brasileira vem mostrando bases mais fortalecidas, com a redução do déficit fiscal, aumento da arrecadação, estabilidade econômica e a recente conquista do grau de investimento.

"Esse cenário passa credibilidade para os investidores. Com a instabilidade lá fora, eles vêm investir aqui. Com mais dólares entrando, a cotação cai", explica Gonçalves. A enxurrada de dólares no Brasil é incentivada pela diferença nas taxas de juros dos dois países, já que muitos investidores estrangeiros aplicam dinheiro aqui apenas em busca dos lucros trazidos pelos juros altos. Por conta da crise nos EUA e da alta da inflação por aqui, a diferença entre as taxas dos dois países ficou ainda maior: enquanto o juro norte-americano é de 2%, a Selic está em 12,25%.

O gráfico mostra quantos euros são necessários para comprar um dólar
Estímulo e freio à inflação
Em todo o mundo, o dólar baixo vem contribuindo para a alta dos preços do petróleo e dos alimentos. Investidores que ganhavam dinheiro investindo na moeda norte-americana migraram para a aplicação em outras commodities, fazendo subir os preços. Essa especulação vem sendo apontada por muitos – incluindo o presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva – como um dos principais fatores que levaram o petróleo ao nível histórico de US$ 139 o barril. Se por um lado essa situação colabora para a alta dos preços, na outra ponta pode ajudar a conter a inflação, apontam os economistas. "O dólar baixo pode ser favorável no controle da inflação, porque bens importados se tornam mais baratos aqui no Brasil. É uma forma de segurar os preços", diz o economista do Corecon. "Para o consumidor médio, a queda do dólar é muito boa em todos os sentidos. Aumentou muito a oferta de produtos importados nos supermercados, por exemplo", complementa Azambuja.
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Exportação e desemprego
O outro lado dessa moeda são as perdas ocasionadas às empresas brasileiras. Para o exportador, o produto brasileiro fica mais caro no mercado internacional, o que faz com que acabe perdendo vendas. O resultado é a alta nas importações e a queda nas exportações. Só no primeiro trimestre deste ano, as importações brasileiras cresceram 18,9% na comparação com o mesmo período do ano passado. Na mesma comparação, as exportações recuaram 2,1%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A concorrência de produtos vindos de fora força os concorrentes brasileiros reduzir margens de lucro e a baixar preços. Os setores têxtil, de calçados e de eletrônicos estão entre os que mais sentem a enxurrada de produtos importados no país, geralmente mais baratos que os similares nacionais - justamente os setores da indústria que são grandes geradores de emprego. E as conseqüências se alastram: "Se o exportador deixar de exportar, vai reduzir sua produção. O fisco acaba deixa de arrecadar. Pode aumentar a taxa de desemprego", enumera Gonçalves. Os economistas defendem, no entanto, que o dólar baixo traz uma oportunidade às empresas, ao baratear a compra de equipamentos.

"É um momento muito bom para a indústria nacional se reequipar, porque os equipamentos estão muito baratos", diz o professor Azambuja.

"É possível se modernizar para ficar mais competitivo e colocar produtos bons no mercado nacional e internacional. As indústrias precisam se organizar logo e correr atrás disso, para ter condições de se igualar com o mercado internacional, senão ele vai cobrar".

BC enxuga o mercado e faz reservas
No intuito de segurar a cotação da moeda, o Banco Central realiza, periodicamente, leilões de compra de dólares, 'enxugando' o mercado. "Só que mercado entra com mais dinheiro do que o BC pode comprar", diz Gonçalves. Por conta das constantes compras do Banco Central, o governo bateu recordes históricos de reservas, que hoje estão próximas aos US$ 200 bilhões. O processo de compra de dólares, para aumento das reservas internacionais, teve início em 2004, quando o BC começou a adquirir moeda norte-americana no mercado à vista. Em todo o ano de 2007, o BC comprou US$ 78,5 bilhões, volume recorde para todos os tempos. Entre janeiro e abril deste ano, foram outros US$ 10,6 bilhões. Esse volume permitiu que o BC anunciasse, em fevereiro deste ano, que o Brasil já chegou à posição de credor externo – ou seja, tem reservas suficientes para pagar sua dívida externa, com sobra.