terça-feira, 17 de junho de 2008

Cana-de-açúcar invade sudoeste de Goiás e modifica perfil das cidades

Goiás hoje é o quarto produtor nacional de etanol. Se o ritmo de instalação de novas usinas se mantiver, deverá subir para o segundo lugar nos próximos três anos, de acordo com estimativas do Sifaeg. Esta modificação de panorama já se reflete nas cidades do sudoeste do estado, onde as usinas se instalam, e traz conseqüências como o aumento da população, geração de emprego e movimentação da economia local.
A região, que foi literalmente invadida por plantações de cana-de-açúcar, originalmente abrigava culturas como a soja, o sorgo e o milho, além da pecuária. A paisagem começou a se modificar há cerca de três anos, quando o preço dos grãos caiu muito e os produtores rurais viram na cana uma nova possibilidade de produção.

Mesmo com o fim da crise e com a alta do preço das commodities, a cultura da cana-de-açúcar mostra que veio para ficar e divide espaço com outras lavouras. Cidades como Acreúna, Caçu, Jataí, Montividiu, Paraúna, Quirinópolis e Serranópolis, todas no Sudoeste goiano, e Itumbiara, mais ao Sul, são algumas das localidades onde a cana se instalou.
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Pólo industrial da cana
A cidade de Itumbiara, com 88.109 habitantes e PIB de R$ 1,37 bilhão, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um dos exemplos da expansão. Como grande parte das cidades da região, o município sempre teve tradição no agronegócio, com destaque para a indústria voltada para o setor. Hoje, a cidade tem cinco usinas dentro de sua área – algumas delas já estão em funcionamento e outras em fase de implantação. Há ainda uma unidade em negociação e oito nas proximidades do município, segundo dados da prefeitura.

Com forte presença industrial do etanol, a idéia da administração local é transformar o município em um pólo da cana-de-açúcar, com a instalação de unidades de apoio ao produto e centros de profissionalização. Alguns exemplos dados pela prefeitura de empresas que já se instalam na cidade são o laboratório de bioinseticidas paulista Biocana, e a Raesa Brasil, companhia de irrigação por aspersão. Itumbiara também quer sediar uma base de captação de álcool, dentro da rota de escoamento da produção para o alcoolduto, que ligará o terminal da Petrobrás em Senador Canedo (GO) à Refinaria de Paulínia (SP), com a justificativa de ter “excelente logística”, segundo a prefeitura, e criar um pólo de qualificação de mão-de-obra. O engenheiro elétrico Stanley Pratti é um dos que quer participar da cadeia. Ele conta que está estudando uma maneira de produzir e vender energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar. “Meu negócio não é o álcool. É a energia. Já estou conversando com as usinas”, diz.

Em Itumbiara, que é um município de porte médio, o dinheiro que entra com essa expansão do setor sucroalcooleiro não é nítido aos olhos do visitante. Em cidades menores como Quirinópolis, no entanto, é fácil identificar os reflexos deste crescimento: o trânsito está mais intenso, as ruas onde há comércio são movimentadas, os restaurantes estão cheios e não há vagas nos hotéis. A cidade, que tem 38.064 habitantes, segundo o IBGE, abriga duas usinas de grande porte, totalmente mecanizadas: a Boa Vista, do grupo São Martinho, e a São Francisco, do Grupo USJ. O reflexo na cidade é confirmado por números. Em 2003, segundo dados da Prefeitura de Quirinópolis, foram gerados 125 empregos. O número saltou para 744, em 2005, e para 2.291, em 2007. Além das vagas nas usinas, o comércio e os serviços também cresceram no município. O frentista Lourivalto de Freitas Ribeiro diz que vai mudar de vida. Está terminando o curso de técnico em segurança do trabalho e deve começar a trabalhar em uma das duas usinas no próximo mês.

O vendedor Weder Batista dos Santos também viveu mudanças no último ano: foi contratado por uma loja de material agrícola em novembro, onde vende herbicidas para cana. “Aqui, só não trabalha quem não quer”, diz Santos.

Problemas do progresso
Apesar de se mostrarem bastante satisfeitos pelo crescimento econômico, moradores de Quirinópolis já demonstram irritação com problemas comuns em cidades grandes. As filas dos bancos, o aumento do custo de vida e o trânsito “caótico” são os três problemas mais citados. “Há acidentes o tempo todo. Tem muito menino novo andando de moto, está uma bagunça”, afirma Santos, que reclama da falta de fiscalização. Na avenida principal da cidade, não há faixas de pedestres ou semáforos, apesar do fluxo de veículos.

Em outros municípios, como Jataí, a cana-de-açúcar ainda nem chegou, mas já começa a ter discretos efeitos na economia local, como o aumento das vendas no comércio e uma maior movimentação de pessoas na cidade. Segundo o secretário de Indústria e Comércio, Eurípedes Rodrigues, Jataí está “atrasada” em relação a outras cidades da mesma região. “Já faz seis anos que estudamos a entrada da cana, mas o processo para buscar empresas só começou em 2006”, afirma.

Centro da cidade de Jataí (GO)

Os moradores parecem animados, mas receosos. “Por enquanto estamos crescendo bem, mas é bom que o dinheiro da cana fique aqui mesmo dentro do município e não seja escoado para outros locais”, diz a gerente de uma loja de material de construção Glaucinéia Ferreira Nogueira. “Nós queremos desenvolvimento, mas não queremos destruição. Vamos ver o que a cana tem para trazer para a gente”, afirma Patrícia Peres, proprietária de um posto de gasolina em Jataí.

Para o secretário Eurípedes Rodrigues, a cidade tem estrutura para sustentar o crescimento. “O impacto social será positivo, pois a cidade já tem uma certa estrutura. Se fosse menor, poderia ser complicado”, diz.

Especialização em etanol
O professor da Universidade Federal de Goiás Américo José dos Santos Reis diz que vê “com bons olhos” a expansão da cana-de-açúcar no estado de Goiás, como uma opção a mais para o setor agrícola, mas cita preocupações.

A primeira delas diz respeito à plantação da cana-de-açúcar. “A estrutura de produção da cana-de-açúcar é concentrada nos usineiros. É preciso pensar em estratégias para que a produção da cana-de-açúcar fosse feita por fornecedores locais, para garantir que mais pessoas participem do processo.”