domingo, 28 de dezembro de 2008

‘O homem precisa aprender o que é sustentabilidade’

A comunidade internacional se despede de 2008, ano em que catástrofes naturais foram freqüentes, e se aproxima de 2009 com o grande desafio de ajustar um pacto coletivo para proteger o planeta dos efeitos das mudanças climáticas. Para isso, Achim Steiner, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), cobra dos governos maior compromisso e critica: “nenhum país está totalmente envolvido com os desafios do clima”. Em entrevista ao POPULAR, Steiner lembra que muitos dos desastres naturais são resultado do aquecimento global e destaca a culpa do homem nesse processo, lembrando que ações simples podem evitar perversidades contra a natureza. Mas para isso, alfineta: “o homem precisa aprender o que é sustentabilidade”.

No estudo divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o senhor afirma que as catástrofes naturais foram muito freqüentes este ano. Quais foram as maiores tragédias naturais deste ano?
Claramente, o terremoto na China e as chuvas que desvastaram partes de Mianmar foram significantes. Mas os furacões no Caribe e na América do Norte também deixaram um número enorme de vítimas. Alguns milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas no sudeste dos Estados Unidos após a passagem do furacão Ike. No Haiti, cerca de 800 mil pessoas ficaram desabrigadas como resultado de uma série de furacões e tempestades. Também houve destruição e morte em Cuba e nas Ilhas Turks e Caicos que tiveram 80% de suas casas destruídas em Great Turk. Mas todos esses desastres naturais estão dentro do previsto pela avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, por sua sigla em inglês), estabelecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da Organização Meteorológica Mundial.

ACHIM STEINERDiretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. É alemão, mas nasceu no Brasil em 1961, onde viveu por dez anos. É mestre em Desenvolvimento Econômico e Internacional e Políticas de Meio Ambiente pela Universidade de Londres.

A cada ano, o número de desastres naturais tem aumentado. A que o senhor atribui esse fenômeno? Tudo está relacionado ao aquecimento global? O ser humano está, de muitas maneiras, deixando a si mesmo cada vez mais vulnerável às calamidades naturais. Desmatamentos e degradação de terras aumentam os riscos de deslizamentos durante o período de chuvas intensas; a rápida urbanização e o crescimento na ocupação ilegal com baixa ou até mesmo inexistente estrutura básica aumentam mais a vulnerabilidade. Outro fator de risco é a construção de prédios, casas e assentamentos em áreas de alagamento, próximas a rios e regiões costeiras muito baixas. E, no topo da lista, as mudanças climáticas, com o prospecto de mais alterações extremas e impactos como o aumento do nível do mar. O Pnuma, com o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, por sua sigla em inglês), publicou o Relatório de Impactos e Adaptações às Mudanças Climáticas dando exemplos de como comunidades e países vulneráveis às alterações podem criar soluções viáveis.

Ele ressalta, por exemplo, os impactos que as mudanças climáticas tiveram na Argentina e no Uruguai e como as comunidades atingidas estão se preparando. Ele foca nos alagamentos e tempestades que surgem nas encostas e na nascente do Rio da Prata. Fortes ventos, maré alta e as características naturais do Prata significam ocorrência de inundações de áreas já vulneráveis. Estudos mostraram que as características dos alagamentos provam que eles são resultado de tempestades e do aumento do nível do mar. O relatório estima que, com o resultado das mudanças climáticas e um modesto crescimento da população de apenas 1% por ano, o número de pessoas na área de risco nessa região será de 1,7 milhão em 2070 - isso é o triplo do número atual. As constatações têm sido apresentadas aos governos ao mesmo tempo em que são feitas recomendações como o aumento da proteção da costa e das cidades e um sistema estratégico para prevenir alagamentos. O estudo ressalta, no entanto, que as sugestões de estratégias de adaptações têm sido ignoradas uma vez que aumenta cada vez mais o número de assentamentos construídos em áreas baixas da costa.

Em entrevista ao site da Deutsche Welle, o senhor afirma que as mudanças climáticas aumentam os riscos de surgirem novos conflitos internacionais. Como é essa relação?
O Alto Comissariado para Refugiados da ONU aponta que mais de 11 milhões de pessoas passaram à condição de refugiados em 2008 e os números estão ligados a conflitos, às mudanças climáticas e ao aumento dos preços dos alimentos. A ONU estima que por volta de 2010, 50 milhões devem se tornar refugiados com as mudanças do clima. Os estudos do Pnuma sobre o Sudão indicam que a redução das chuvas no nordeste de Darfur tem forçado as pessoas a migrarem para regiões onde os recursos naturais já são escassos, dando início a conflitos com a população que vive nesses locais. De acordo com o IPCC, muitas geleiras do Himalaia que, com o derretimento no verão abastecem os rios da região, poderão desaparecer por volta de 2030. Situações similares devem ocorrer nos Andes e nas montanhas Sierra Nevada na América do Norte. Em Bangladesh, por exemplo, milhões poderão ser forçados a deixar suas casas como conseqüência da elevação do nível dos oceanos. Ano passado, o Pnuma apoiou o lançamento do relatório Mudanças Climáticas como Risco para a Segurança produzido por acadêmicos e conselheiros da chanceler alemã Angela Merkel. Ele aponta que há outras regiões com potencial para se tornarem áreas de risco, como sul da África, o Mediterrâneo, Ásia central, Paquistão, partes do Caribe e Golfo do México e a região da Amazônia na América Latina. O relatório não está dizendo que o mundo entrará em guerra, mas que as mudanças climáticas podem exacerbar conflitos latentes em áreas sob tensão.

O mundo já sofre, especialmente os países mais pobres, com a crise dos alimentos que se agravou este ano. Os desastres naturais tornam ainda mais difícil a recuperação dos locais atingidos com a escassez de alimentos. Como lidar com esse problema?
A crise dos alimentos tem muitas causas, incluindo a especulação dos preços. Mas está claro que em um planeta com 6 bilhões de pessoas, com previsão de 9 bilhões em 2050, os modelos econômicos e de agricultura do século 20 não atenderão às necessidades da população no século 21 - e acima de tudo nós temos as mudanças climáticas. Precisamos urgentemente administrar com mais inteligência os recursos da água, por exemplo. Em teoria, a África tem água suficiente para suprir as necessidades de 13 bilhões de pessoas. Mas bem menos que isso é coletado. Não estou falando sobre grandes represas, mas de sistemas de coleta de água de chuva em pequenas escalas. Também precisamos de estruturas alternativas: nossas florestas e nossos mangues. Florestas acumulam água no solo e o ajuda a estabilizar costas e represas. Mangues são reservatórios naturais que estocam água e controlam alagamentos. Também precisamos aprender a aproveitar o conhecimento dos indígenas conciliando seus ensinamentos com a ciência moderna sobre como administrar melhor a fertilidade do solo, ao contrário de esgotá-lo e abandoná-lo em seguida. É necessário ainda controlar as perdas na biodiversidade - morcegos, abelhas e outros insetos fazem a polinização, um trabalho que custa bilhões de dólares por ano e que sem ele a produção de alimentos poderia ficar comprometida. Em outras palavras, o homem precisa aprender o que é sustentabilidade e se afastar da idéia de minar o planeta esgotando seus recursos naturais, uma vez que eles são o suporte para nossa vida e a base de todas as atividades econômicas e de sobrevivência.

O Fundo de Adaptação, previsto pelo Protocolo de Kyoto para ajudar os países em desenvolvimento, é hoje uma realidade?
O foco das mudanças climáticas era, inicialmente, a mitigação - redução das emissões de carbono por parte das nações desenvolvidas. Mas a adaptação atualmente tem tomado toda a atenção. O fundo ao qual você se refere é sustentado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM, por sua sigla em inglês) do Protocolo de Kyoto. O CDM (que permite negociar monetariamente a redução de emissões) está agora em todo lugar, como Brasil, China, Índia, África do Sul, África Subsaariana e na América Latina, em geral. O México, por exemplo, tem cerca de 190 projetos em apenas quatro anos. E o dinheiro para adaptação deve aumentar, se os países fecharem um novo acordo, aprofundado e decisivo sobre o clima no encontro crucial da ONU durante a convenção de Copenhague em 2009. Se um projeto multimilionário é elaborado para a região costeira do Brasil, por exemplo, o impacto do aumento do nível do mar e as grandes tempestades devem ser incluídos no projeto. Caso contrário, grandes investimentos, planejados nas últimas décadas, poderão ser perdidos em poucos anos.

Quais suas expectativas para a assinatura do acordo pós-Kyoto?
Ele conseguirá controlar e mudar o comportamento dos maiores emissores de gases do efeito estufa? Um novo acordo em Copenhague será vital. Vamos vislumbrar uma conscientização ecológica da economia global e a transição para baixos níveis de emissão de carbono, mas isso não está garantido. O Mapa do Caminho em Bali, acordo fechado no ano passado, está evoluindo e muitos progressos têm sido verificados, como com relação ao tema Redução de Emissões dos Desmatamentos e Degradação das Florestas. Mas muitos países estão estagnando e outros até mesmo retrocedendo. Nenhum país está totalmente envolvido com os desafios do clima. Alguns, no entanto, estão se mostrando líderes em políticas de inovações, como México, África do Sul e Noruega. Acredito que todos os países precisam ser lembrados de que os desafios do clima custarão mais caro à medida que a comunidade internacional adiar uma ação inevitável.

Como o senhor analisa o comportamento do Brasil e nossas políticas de proteção ambiental? O compromisso do Brasil em monitorar e lutar contra o desmatamento é um avanço. As políticas de contenção e o desenvolvimento do etanol também têm proporcionado uma liderança no campo dos biocombustíveis. O index de sustentabilidade da Bovespa está entre os pioneiros no mundo. O Brasil é também um líder regional no mercado de carbono. Mas tudo isso é suficiente?
Acho que institutos acadêmicos brasileiros e debates entre os legisladores do País poderão responder.

O que o senhor achou dos resultados da conferência em Poznan, na Polônia?
A convenção na Polônia não foi um passo para trás, mas também não foi um grande passo à frente na agenda climática. Governos parecem sinceramente comprometidos com a negociação de um novo acordo, mas ainda há um desafio sobre como elaborar um pacote que seja justo para todos os países em diferentes estágios de desenvolvimento econômico. Há uma montanha a ser escalada para se chegar a um acordo em 2009. A História tem mostrado que quando estamos contra o muro, os humanos são capazes de coisas extraordinárias, e nós estamos contra o muro da mudança climática agora. A comunidade internacional tem esse desafio nesta geração. Vamos ver se a coragem, a criatividade e o senso de humanidade vão aflorar nos próximos 365 dias.

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