domingo, 26 de outubro de 2008

Criança precisa de disponibilidade emocional’

Coordenadora do grupo de crianças e adolescentes do centro de atendimento da Sociedade Brasileira de Psicanálise, a psicóloga Maria Cecília Pereira Da Silva apontou, em entrevista por e-mail ao POPULAR, os desencontros afetivos entre pais e filhos como o grande responsável pela atual crise nas relações familiares. Maria é organizadora do livro Ser Pai, Ser Mãe – Parentalidade: Um Desafio para o Novo Milênio (Casa do Psicólogo), um dos estudos mais respeitados sobre as funções parentais da nova geração. Confira trechos da entrevista:

Por que parece que os pais andam tão perdidos na função de serem pais?
A atual metamorfose nas constelações familiares nos coloca diante da emergência de uma geometria um tanto inquietante: matrimônios mistos, separações, famílias reconstituídas, unoparentais ou homoparentais. Nestes novos arranjos, os pais se encontram muitas vezes despojados de sua função parental e os filhos são projetos narcísicos concebidos sob o impacto de uma violência emocional terrível. As dificuldades no vínculo pais-bebê se apresentam. Pois não basta ter filhos para torna-se pais, é um processo de vir-a-ser. A parentalidade surge de um processo a ser construído.

Qual é o maior desafio para o exercício da parentalidade?
A dificuldade de comunicação entre pais e bebês é cada vez mais comum. Em tempos modernos os pais optam por terem filhos mais tarde e, portanto, mais distantes de suas vivências infantis. Ao lado disso as solicitações externas competem com a disponibilidade emocional materna para compreender a linguagem não-verbal do bebê. A velocidade da vida urbana convoca, em especial a mãe, mas também o pai, para a realidade externa num ritmo acelerado que vai na contramão do tempo necessário para o desenvolvimento infantil. Será que esse turbilhão contemporâneo vai de encontro às necessidades afetivas e emocionais de um bebê ou às demandas dos adultos? Temos visto como não é tarefa fácil tornar-se pais em nossos dias.

Até onde aquele clichê “vou dar ao meu filho tudo o que não tive” ajuda ou prejudica no exercício da parentalidade?
No exercício da parentalidade muitas vezes nos vemos elaborando conflitos que experimentamos com nossos pais e deixamos de perceber quais são as necessidades de cada filho em particular. Ao mesmo tempo é lícito o desejo de que nossos filhos possam ser melhores do que fomos, mas o que a criança mais precisa é da disponibilidade emocional dos pais e não de coisas materiais. Muitas vezes os pais têm dificuldade de simplesmente estarem com seus filhos, de brincarem, e ao invés de se oferecerem para seus filhos oferecem tudo que não tiveram.

Há quem diga que a geração atual de pais foi a última a obedecer os próprios pais e os primeiros a obedecer os filhos. A senhora concorda com este comentário?
Sim cada vez mais vivemos sob a tirania dos filhos. É uma geração de pais muito culpada na função parental que procura fazer tudo o que a criança quer sem frustrá-la em nada criando assim pequenos reizinhos ou tiranos.

Como a alteração do modelo de família tradicional mudou a forma de educar os filhos?
Os pais estão mais sozinhos, sem o apoio da rede familiar ou núcleo familiar mais amplo. Esse aspecto associado à vida profissional resulta no desejo de viver tudo de bom com os filhos no tempo que têm e numa educação que procura atender a todos os desejos dos filhos dificultando-os a lidar com frustrações e limites e todo o processo de simbolização e aprendizagem ficam prejudicados.

Afinal o que faz de um ser humano um bom pai ou mãe?
Em primeiro lugar ter o desejo de ter um filho e não simplesmente ter um filho. Construir uma família deve se transformar num projeto profundo dos pais pois esta tarefa é muito complexa. É importante que a mãe possa ter um suporte de seu companheiro e/ou família ampliada e que possa observar e respeitar o jeito de ser singular do bebê, provavelmente muito diferente do que foram os pais ou outro membro da família, cada um é um.

Mas existe alguma receita?
Há mil e uma maneiras de ser pai e de ser mãe. Toda a dificuldade reside no fato de deixar lugar para que se manifestem essas potencialidades. Não existe a “melhor maneira de ser pai ou de ser mãe”. Elementos sociais e culturais participam da fabricação da função parental.

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