domingo, 26 de julho de 2009

No limite



Difícil acreditar que um dia chegaríamos onde chegamos: na violência social desenfreada. A ação das gangues é a tônica de nosso cotidiano. Daquelas que atuam impunemente: pelas ruas de Goiânia, pelas favelas do Rio, pelos recônditos do Congresso Nacional. Entre elas um elemento comum: o crime.

A psicanálise que começou com Freud, nos idos de 1900, estava inserida em um contexto social diametralmente oposto ao que vivenciamos hoje. O indivíduo do tempo de Freud estruturava seu sofrimento em algo que não podia fazer, eram tempos de repressão. A pós-modernidade, com todas as suas incorporações tecnológicas e facilidades práticas para viver (energia elétrica, fogão a gás, geladeira, telefone e internet, entre tantas), revelaria um indivíduo cujo desejo é centrado em seu próprio umbigo. A queixa calcada na repressão foi amplamente substituída pela necessidade do homem de ser contido em seu desejo. Parece que chegamos efetivamente aos tempos em que “homo homini lupus” (o homem é o lobo do homem), como já antevia Plauto (254-184). Estamos na era do individualismo, do egoísmo desenfreado, onde o prazer de cada qual vale muitíssimas vezes mais que o bem-estar do próximo. E esse prazer extrapola em muito aquele antigo, do recalque sexual que tinha o pudor como freio. O prazer moderno é alcançado pela própria transgressão da lei, o gozo é dado pela prática do crime.

Jovens, não somente os desvalidos, sem estudo e sem dinheiro, mas também os abastados, vindos de famílias privilegiadas, saem às ruas de madrugada para disputar, pichar, brigar, competir na força e na raça, mostrar que tem “poder”, atirar em outros com a finalidade precípua de exibir a pontaria. E, o que é pior, se vangloriar disso tudo. São tempos de vandalismo, como nenhum teuto, godo ou visigodo poderia pensar, pois, naquela época, disputavam territórios. Havia uma finalidade no ato, ainda que vândalo, que se perdeu por completo, na constatação triste do “eu mato pra ver o tombo”.

No Congresso Nacional, casa de deputados e senadores, representantes do povo (e nós somos o povo), além da obediência às leis da comunidade, imperam ainda (ou deveriam imperar) as leis decorrentes do exercício da própria função, no caso, nada mais, nada menos do que fazer as ditas leis, portanto, garantir a democracia, a igualdade social. Prementes se fazem a legalidade, a publicidade e a transparência dos atos praticados pela casa de legisladores. E aí? Descobre-se com muita perplexidade que há atos secretos, e que não são secretos à toa, é claro. Se assim o são é justamente para esconder a prática de crimes cometidos, não por pessoas sem posses e sem condições de uma vida digna e boa, mas sim, por senhores que, desejosos de se igualarem quem sabe aos reis, constroem castelos, de alvenaria, de dinheiro e de poder.

É preciso desejar, sem desejo não há vida; mas é preciso refrear o gozo, sem freio não há sociedade. Nossas famílias, as “boas” inclusive, se esqueceram disso. Em tempos em que coisas são fáceis de se ter: TV, computador, carro (do ano e importado), o desejo fica comprometido quando tudo que eu quero eu tenho. O que deveria ser a redenção da sociedade acaba se tornando o limite da sua existência.

Cabe às famílias educar seus jovens membros (os filhos), colocando esses limites, mostrando que para ter é necessário se comprometer, é necessário merecer. Os ganhos devem vir em função da obediência aos códigos moral e ético que embasam a relação de cada qual com seu semelhante. A criança precisa aprender a trocar a frustração do seu desejo pelo prazer de fazer bem-feito, de agradar ao outro. Os pais precisam ensinar isso. O instrumento mais antigo para tanto é a alternância entre punição e recompensa. Aquele que merece ganha; se não merece e ganha assim mesmo, todos perdem.

Os pais que pensam que seus filhos podem tudo desrespeitam o princípio mais básico da existência humana, o da impotência, e perdem a oportunidade de ensinar a eles um caminho alternativo na busca da potência, o de se sentir valoroso. Os cidadãos que pensam que o Estado e seus representantes podem tudo e não lutam para fazer valer seus direitos, também.

A se continuar assim, teremos de pedir socorro aos bárbaros medievais, pois, eles sabiam que onde a impunidade impera, a lei existe, mas não vigora.

0 Comentar: