domingo, 5 de julho de 2009

Analistas avaliam casos de inadimplentes e apontam saídas para as dívidas

A pedido do G1, economistas sugerem caminhos para três endividados.Cartão de crédito e empréstimos estão na origem dos problemas.

Em tempos de inadimplência recorde no Brasil, é preciso ficar atento: a mistura de juros altos e desorganização financeira resulta em uma fórmula que quase sempre acaba em endividamento excessivo e contas atrasadas a pagar.

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A pedido do G1, três especialistas em finanças pessoais analisaram a situação de três pessoas que enfrentam problemas com dívidas e fizeram diagnósticos que podem ajudar a identificar se você anda ou não adotando um comportamento de risco para a sua saúde financeira.

CASO 1 - HUMBERTO PIO GUIMARÃES, 36 ANOS, ARQUITETO
Como se endividou - Há dois anos, Humberto tinha um emprego na Prefeitura de São Paulo quando, sem solicitar, ganhou do banco pelo qual recebia o salário dois cartões de crédito com limites de R$ 8 mil cada um – que foram utilizados integralmente.

O arquiteto Humberto, 36 anos: dívidas com dois bancos diferentes. (Foto: Daigo Oliva/G1)
Além de manter o hábito de gastar mais do que ganhava, circunstâncias externas surgiram para complicar ainda mais sua vida financeira: na mesma época, ele enfrentou a perda do emprego e uma separação.

Passou, assim, a ter que pagar sozinho e sem salário fixo as despesas de seu apartamento, que antes eram divididas por dois.
Para manter o padrão de vida mesmo em tempos de dinheiro escasso, ele recorreu aos empréstimos: só com um banco, a soma chega atualmente a R$ 27.240: um crédito consignado, um outro oferecido pelo banco (com taxas mais altas) e um adiantamento do 13º salário. Além disso, deve cerca de R$ 16 mil em dois cartões de crédito (sem contar os juros desses cartões). Tem ainda, com outro banco, um empréstimo consignado no valor de R$ 15 mil. Há cerca de um ano, ele percebeu que saíam de sua conta mensalmente cerca de R$ 4.500 só em juros, parcelas, e pagamento mínimos dos cartões.

Resultado: desistiu e parou de pagar as contas. Continua quitando apenas as parcelas mensais de R$ 550 do empréstimo consignado que contratou com o segundo banco. “Pensei: ou eu vivo, ou eu pago os juros”. A montanha de débitos não para de crescer. “O adiantamento do 13º era de R$ 2 mil, hoje já está em R$ 12 mil, sendo que eu paguei várias parcelas”, diz.

O arquiteto pretende pagar tudo quando conseguir reservar um dinheiro para negociar, ou quando receber proposta com taxas de juros realmente baixas.

"Por enquanto, as propostas são todas indecentes. Os descontos (para quitar a dívida) vão aumentando pouco e os juros, muito".

OPINIÃO DO ESPECIALISTA 1
Quem analisa: Fábio Gallo, professor de finanças da FGV
Diagnóstico: A estratégia dele não vai dar certo. Está sem controle da situação, precisa se organizar mais. Se ele se livrar desses juros e recuperar o nome dele, vai sentir não só uma mudança financeira, mas uma mudança na vida dele mesmo, para muito melhor. Essa estratégia de adiar a solução não dá certo, ele precisa assumir a responsabilidade pelas dívidas e não esperar que elas se resolvam por "mágica". Vai fazer muito bem para a vida dele.
Medidas práticas para sair do problema:

Passo 1 - Para Gallo, Humberto deve tomar a iniciativa de renegociação das dívidas o quanto antes, mesmo que não tenha reservas para o pagamento: ir até as instituições bancárias e pedir detalhamento dos débitos: quanto ele devia, o quanto do montante são juros, taxas e afins. Deve pedir também um documento que detalhe todas essas informações sobre o montante devido.

Passo 2 - De posse dos dados documentados, levar as informações para que sejam analisadas por um profissional, como um órgão de defesa do consumidor ou advogado. "Eles poderão conferir se os valores batem, se os juros são excessivos". A partir daí, voltar com uma contraproposta ao banco, na linha: "Posso pagar tanto por mês. O que vocês sugerem?". Só a disposição em renegociar já deve se reverter em descontos, na opinião do especialista. "Não deve tentar juntar dinheiro para pagar, porque tem muito juro: o negócio é pedir uma outra linha mais barata".

Passo 3 - Organizar o orçamento e cortar gastos para liberar algum dinheiro para pagar a dívida e eliminar os juros da sua rotina definitivamente. Gallo recomenda que ele anote diariamente as despesas por um tempo - para calcular seus gastos - e então adote "orçamento de guerra" dividindo-as em ABC e D: Alimentar, Básico, Contornável e Desnecessário. "Eu ficaria só com o A e B e o resto tiraria para pagar a dívida".
CASO 2 - JULIANA CRUZ*, RELAÇÕES PÚBLICAS, 25 ANOS
* nome fictício, a pedido da entrevistada.

Como se endividou - Em 2006, Juliana acumulou uma dívida de R$ 3 mil no cheque especial e no cartão de crédito; sua renda mensal, naquele tempo, se resumia a um salário de R$ 1,5 mil de um emprego em que trabalhava como funcionária registrada em carteira.

Foto: Arquivo pessoal
Boleto juliana cruz (Foto: Arquivo pessoal)
Na mesma época, ela decidiu comprar um carro e sair da casa dos pais, em São Paulo, para morar sozinha.

Como já estava com o nome listado nos serviços de proteção ao crédito (SPC e Serasa), contratou em outro banco um empréstimo consignado no valor de R$ 8 mil para pagar o veículo e cobrir as despesas com a mobília e mudança para a nova casa.

Juliana parou de pagar as parcelas pouco tempo depois de quitar o equivalente a R$ 3 mil, quando mudou para um emprego sem registro e teve que arcar com benefícios que antes recebia mensalmente, como convênio médico. Além disso, passou a pagar aluguel, o que reduziu sua capacidade de endividamento.

Desde então, ela recebe periodicamente cartas dos dois bancos informando o volume das dívidas - que crescem em ritmo "galopante" por causa dos juros - e propostas de descontos caso ela decida quitá-las.

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A situação atual é a seguinte: com o primeiro banco - do cartão de crédito e cheque especial - o montante subiu de R$ 3 mil para R$ 10,5 mil; ficaria em R$ 2,9 mil, caso ela optasse por pagar à vista; ou 36 parcelas de R$ 310. "Não tenho dinheiro para quitar à vista e parcelando acho o juro muito alto", diz Juliana.

Já o débito do empréstimo consignado, que era de pouco mais de R$ 4 mil quando ela interrompeu os pagamentos, chegou a níveis exorbitantes: R$ 56,756 mil, com proposta de pagamento de R$ 2,360 mil à vista.

"Desde 2007 que eu não abria correspondência deles sobre essa dívida. Até eu me impressionei com esses R$ 56 mil, dei risada".

Atualmente, ela tira regularmente do salário parcelas de R$ 700 de um novo empréstimo consignado que fez para comprar outro carro, depois que o antigo foi roubado. Nesse intervalo de tempo, teve um filho e casou: planeja sair da "bola de neve" dos juros para realizar os sonhos da família.

Ela pretende usar os próximos 13º salários para quitar as dívidas e "limpar" o nome até 2010; quitar o último consignado até 2011 e, em 2012, comprar a casa própria.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA 2
Quem analisa: Ricardo Araújo, professor de finanças da FGV
Diagnóstico: O grande erro dela foi conceitual. Ela gastou mais do que ganhava, se endividou além da conta
e no Brasil os bancos não perdoam: juros de mais de 5% ao mês é uma obscenidade. Lição conceitual: precisa aprender a poupar para comprar ativos e gastar no máximo o que tem, e não pegar empréstimos de maneira desordenada.
Medidas práticas para sair do problema:

Passo 1 - A recomendação é que tente obter propostas melhores do banco. "Ela tem de ganhar tempo. Provavelmente, o banco vai oferecer um desconto maior".

Passo 2 - Para Araújo,a prioridade de Juliana deve ser a de "botar a casa em ordem". Cortar todo o gasto possível para se livrar das dívidas.
"Se eu fosse ela, morava uns tempos na casa da mãe, segurava todos os gastos, para liberar algum dinheiro". A recomendação é a de que ela reduza os gastos e tenha como meta quitar todos os empréstimos o quanto antes.

Passo 3 - Antes de entrar em outro financiamento, o melhor é esperar mais e juntar dinheiro para comprar bens como,
por exemplo, a casa própria. "Espere liberar os décimos-terceiros salários e junte para dar alguma entrada substancial para comprar a casa".

CASO 3 - LESLIE BAER YAMASHITA, DONA DE CASA, 53 ANOS
Como se endividou - No começo do ano, Leslie recebeu em sua casa, em Londrina (PR), um cartão de crédito com limite de R$ 5 mil de uma instituição financeira especializada em crédito popular.

Foto: Arquivo pessoal
Fatura (Foto: Arquivo pessoal)
Com o cartão, resolveu comprar em uma rede varejista um espremedor de frutas para sua casa e uma TV nova para os netos pequenos, que moram em São Paulo. Optou pelo pagamento parcelado em dez vezes.

Quando veio a fatura, uma surpresa: descobriu que a administradora do cartão cobrava, além das parcelas, R$ 499 em encargos contratuais. Passou, então, a pagar apenas o mínimo da fatura. Resultado: de pouco mais de R$ 2 mil, sua dívida na última fatura chega a R$ 4.266.
Para os funcionários da administradora do cartão que passaram a ligar frequentemente em sua casa, ela reclamou em vão das taxas e dos juros cobrados no parcelamento. Além disso, cancelou o cartão.

Buscou, então, a ajuda do Procon, que notificou a administradora e diz que vai notificar a empresa, que terá prazo de 30 dias para apresentar uma proposta de negociação; caso isso não ocorra, será marcada uma audiência com a dona de casa e a empresa.

“A moça do cartão me ligou cobrando e eu disse que nunca vou conseguir pagar, porque parcelado vai dar R$ 8 mil. Eu não quero ficar devendo, mas não vou pagar isso por uma dívida de R$ 2 mil”, diz.

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