sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Famílias procuram tratamento para depressão em crianças

Santa Casa realiza, até dia 29, triagem para programa de atendimento gratuito. Famílias e educadores devem ficar atentos aos sintomas da doença.


Nos dias bons, Bruno ri e brinca como outros meninos de sua vizinhança, em Realengo, Zona Oeste do Rio. Mas aí vêm os dias ruins, quando ele chora muito e demonstra uma tristeza que parece estranha a crianças de apenas 8 anos. Seu nome é fictício, mas sua história não: como 12% das crianças e dos adolescentes no Brasil, ele sofre de uma doença de gente grande, a depressão. Há um ano, encontra na Santa Casa de Misericórdia do Rio a ajuda para que os dias bons superem os ruins.

“Tem dias que ele acorda bem, tem dias que ele acorda chorando. Piorou quando o pai faleceu, há dois anos”, conta a mãe Regina dos S. B., dona-de-casa de 40 anos, que viu o comportamento do filho mudar e suas notas na escola aumentarem com o tratamento. “É uma benção. Só mesmo Deus e Dr. Ricardo”.

Ricardo Krause é o chefe do programa de depressão na infância da Santa Casa, onde, nos últimos três anos, a procura por tratamento no ambulatório infanto-juvenil já cresceu 80%. A entidade vai realizar, até 29 de agosto, uma triagem para selecionar crianças e adolescentes, entre 6 e 15 anos, que apresentam sintomas de depressão. Em dez anos, o serviço já tratou mais de 200 pacientes com esse perfil. Desses, 85% não tiveram recaída e 15% continuam em acompanhamento.

Pais são orientados
Segundo Fabio Barbirato, chefe da psiquiatria infantil da Santa Casa, um dos diferenciais do tratamento é o trabalho de psicoeducação com a família da criança.
“A família é orientada a reconhecer os sintomas da doença e saber por que é dado o medicamento. Se a família não estiver educada, contribui para o quadro depressivo”, explica Barbirato, que também chefia o departamento de psiquiatria infantil da Associação Psiquiátrica do Estado do Rio (Aperj). “Muitos dizem ‘É o jeito dele'. E esse é o maior erro dos pais”.
Esse “jeito” pode esconder sintomas da depressão, doença que, segundo Barbirato, vem aumentando entre crianças e adolescentes. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que ela atinge até 20% de meninos e meninas nessa faixa etária em todo o mundo. No Brasil, estudos indicam que esse percentual fica entre 8% e 12%.
“Esse número vem aumentando não só pela facilidade de diagnóstico, mas também porque a criança vem enfrentando cada vez mais cobranças do meio em que vive”, conta Barbirato.

Herança genética
Segundo o psiquiatra, a tendência à depressão é herdada geneticamente, mas o meio em que se vive é o gatilho. Esse estopim pode ser a perda de um familiar ou uma separação, por exemplo. Os sintomas incluem tristeza, dificuldades de relacionamento, irritabilidade além do esperado, falta de prazer e não-reação a estímulos. Há ainda outros transtornos de humor como a distmia, uma depressão leve, mas crônica, em que a criança critica e reclama de tudo à sua volta.


Daniella Clark/G1
O psiquiatra Ricardo Krause interage com o filho da funcionária pública Mary Ogheri, de 10 anos: problemas começaram na alfabetização (Foto: Daniella Clark/G1)
“A depressão da criança é assim, ela não fica triste o tempo todo. Ela fica mais irritada, oscila de humor”, explica Ricardo Krause.

Algumas crianças chegam a falar em se matar, outras não sabem exatamente o que é um suicídio e esse risco é avaliado em questionários, com perguntas lúdicas. “A criança vai ter acidentes constantes porque está indiferente ao que acontece a sua volta”, explica Barbirato.
A funcionária pública Mary C. O., de 49 anos, percebeu que algo não ia bem com seu filho, hoje com 10 anos, quando ele teve dificuldades em ser alfabetizado. Eram constantes também as queixas de colegas, com quem as brincadeiras não duravam muito.

“Na escola, sua alfabetização foi muito difícil. Parecia que ele não ia conseguir”, conta Mary, que passou a sair de Campo Grande rumo à Santa Casa em busca de ajuda.

Diagnóstico até em bebês
Antes de começar o tratamento, as crianças passam por testes neuropsicológicos, além de avaliações com médicos e psicólogos. A linha direta com a escola da criança ou do adolescente também é fundamental.

O objetivo, hoje, é diagnosticar o quanto antes transtornos como autismo, ansiedade e hiperatividade para que o acompanhamento seja iniciado o mais cedo possível, evitando o desenvolvimento de problemas graves no futuro.
Segundo Barbirato, é importante que pediatras e profissionais da educação saibam distinguir os sintomas. Hoje, segundo o psiquiatra, pode-se identificar depressão até em bebês. O primeiro serviço do país para o atendimento a crianças em idade pré-escolar, de 3 a 6 anos, é encontrado na Santa Casa desde março de 2007.

A criança ou o adolescente pode estar com sintomas de depressão quando...

Antes de ler alguns dos sintomas, atenção: o diagnóstico correto só pode ser feito por um profissional qualificado.

Apresenta fisionomia triste; Não faz nada ou reclama de não ter o que fazer; Sente mais sono do que de costume; Emagrece, come menos do que outras crianças; Engorda e devora tudo que vê pela frente; Não presta atenção nas aulas ou fica "sonhando acordado"; Reclama mais de cansaço ou fica sem energia; Acha que está dando muito trabalho aos pais; Já pensou que seria melhor morrer do que continuar como está; Fica mais quieto ou menos ativo do que o seu normal; Está sempre irritado e mal-humorado; Briga mais do que de costume e acaba perdendo os amigos; Não tem sono ou tem pesadelos; Reclama sempre de dor de barriga, de cabeça ou nas pernas; Acha que é culpado por muitas coisas ruins que acontecem.

Para se inscrever no programa de depressão na infância da Santa Casa
Telefone: (21) 2533-0118 e 2221-4896.
Como funciona: O pai ou responsável faz a inscrição por telefone e a criança ou adolescente passa por uma triagem, que precede o atendimento. O tratamento é gratuito.

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