domingo, 17 de maio de 2009

Crédito do mal

Quem criou o crédito consignado foi o governo federal, para os aposentados do INSS. O presidente Lula vangloriava-se, no início, de estar no Brasil o maior projeto do gênero em todo o mundo. Tão grande como de fato é o Instituto Nacional do Seguro Social, este sim, o primeiro do Planeta. Juros baixos e sem burocracia iriam beneficiar, na teoria, pessoas que ganham muito pouco.

Assim nasceu no País do faz-de-conta mais uma arapuca, que aprisiona milhões de consignatários das administrações federal, estadual e municipal. Sem falar na parcela mais expressiva de mais de 16 milhões de aposentados e pensionistas. Como tudo que esconde o verdadeiro sentido, o programa começou tímido, com apenas alguns bancos interessados.

Para abrir o leque, o governo concedeu facilidades, além da segurança de inadimplência zero, já que as parcelas são retidas pelas próprias repartições pagadoras dos salários ou dos proventos. Listagens com os nomes e vencimentos de milhões de trabalhadores foram facultadas à rapinagem. Por isso, sem esperar, vem a cantada, por telefone ou diretamente, oferecendo dinheiro.

O crédito consignado num país onde todo mundo deve tudo, deveria ter o seu perfil adaptado às reais necessidades e jamais extrapolar os 30% autorizados pela norma fraca reguladora. Emprestar dinheiro por essa modalidade virou negócio tão rendoso quanto malandro. As normas de concessão são transgredidas com impressionante regularidade.

Esta coluna criticou o modelo de consignação brasileiro, ainda no início de sua vigência, por entender que ele se tornaria perverso e que não traria os benefícios proclamados – e deixando claro que os bancos e financeiras é que lucrariam. A previsibilidade de distorções em grau jamais sonhado estava centrada na tênue possibilidade de gestão honesta por parte das instituições bancárias.

Formou-se a alcatéia do mal. A voracidade das casas de empréstimo consignado transpõe o bom senso e fere o pouco de regulamento imposto à matéria. Hoje, por culpa desses empréstimos, milhões de trabalhadores do serviço público amargam, como os aposentados do INSS, crise financeira maior que a vivida antes de tomar o empréstimo.

Os juros não são baixos, como seria de imaginar. São, ao contrário, altos e agregam valores ocultos, como taxas e tarifas diversas, elevando-os substancialmente, sem chances para qualquer tipo de acerto prévio. Na atualidade, todo o sistema de crédito consignado para funcionário público e aposentado peca por falta de regulamentação precisa e de uma fiscalização severa, pela qual seriam penalizadas as instituições que usam de má-fé.

Microcrédito é faca com dois gumes. O governo, ao invés de orientar e restringir as concessões somente a quem tem renda suficiente e pode saldar o compromisso sem cair na rua da amargura, faz o inverso. Incentiva, incentiva e ainda tira proveito político-eleitoral. Muita gente foi levada à ruína ou às portas de Procons e à Justiça, na tentativa de renegociar os débitos contratados e assim livrar-se da ameaça de enfarte na hora de conferir o contracheque.

Seria bom demais para ser verdade! Dinheiro baratinho, facilitado, para consertar o telhado da casa e tirar a goteira. Para realizar a viagem dos sonhos. O lógico seria que pudessem realizar os pequenos projetos adormecidos sem afetar o orçamento doméstico. E a compra de remédios da terceira idade.

Seria esse o perfil normal. Mas, pegando todo mundo já endividado, as consignações vieram trazer mais amarguras: milhões se afundam e nos tornamos sem perceber em uma nação vergonhosamente empobrecida, enquanto o sistema bancário continua exibindo lucros bilionários.

Canto da sereia? Nisso resultou o modelo que deveria libertar. Mas acabou prendendo, pela inércia revisional.

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