segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Crédito, estímulo e gosto pelo consumo turbinam compras

Apesar da crise econômica internacional, o país atingiu em 2009 níveis inéditos de consumo. Entre setembro do ano passado, início da fase aguda das turbulências, e setembro deste ano, muitos brasileiros compraram seu primeiro carro e melhoraram a qualidade de vida da família por meio da aquisição de confortos domésticos, revela pesquisa realizada pelo Datafolha.

Dos 13 tipos de bens duráveis pesquisados, em 9 casos aumentou a parcela da população que possui esses itens. De 2008 para 2009, passou de 34% para 36% a fatia dos que têm carro; de 59% para 65% a dos que contam com máquina de lavar roupa; e de 77% para 79% a dos que dispõem de aparelho de DVD.

A auxiliar de serviços gerais Maria Lucia Souza da Silva, 34, é um exemplo. Equipou a casa toda. "Troquei o fogão e a geladeira velhos por novos, comprei micro-ondas, computador --que é para o meu filho parar de ir para a LAN house--, uma TV de 29 polegadas, um liquidificador desses que são fáceis de limpar e realizei o meu sonho de ter um home theater na sala. É incrível, quando assistimos a algum filme, parece que estamos no cinema", comemora.

Segundo ela, ainda está faltando substituir o sofá, o tanquinho e colocar, no armário, uma batedeira "como enfeite".

O passaporte de Maria Lucia para o mundo dos eletrodomésticos modernos foi um cartão de crédito emitido por uma grande rede varejista. Assim como na sua situação, para boa parte dos consumidores, esse tipo de instrumento é bem mais acessível que os empréstimos bancários e acabou se tornando uma das únicas formas de gastar no momento em que os financiamentos convencionais secaram com a crise.

O aperto do crédito começou nos últimos três meses de 2008, quando o PIB (Produto Interno Bruto) encolheu. A queda da atividade ainda se repetiria no trimestre seguinte, caracterizando uma recessão. A partir de dezembro, o governo Lula lançou medidas de estímulo ao consumo, como o corte do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para automóveis, material de construção e itens da linha branca. Aos poucos, a oferta de crédito foi aumentando, acompanhada de uma diminuição de juros, embora em ritmo lento.

Para impulsionar as compras, a esses dois fatores somou-se o gosto que as classes mais baixas tomaram por um padrão de consumo melhor. "Tal fatia da população passou a ter a chance de usufruir das coisas que antes só a classe média possuía", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.

Mobilidade social
O levantamento realizado pelo instituto mostrou ainda que a crise fez se desacelerar a velocidade da ascensão social no país. Se antes o encolhimento das classes D e E ocorria a um ritmo de cinco a seis pontos percentuais por ano, entre 2008 e 2009 passou a apenas um ponto. A parcela da população que pertence à faixa mais pobre (classe E) caiu de 3% para 2% e a da classe D diminuiu de 21% para 20%.

A classe C (média baixa) recuou de 51% para 50% da população, enquanto a B (média alta) avançou de 23% para 26%. A classe A ficou igual, com 2%.

Há diferenças regionais: enquanto no Norte e no Centro-Oeste foram observados saltos na mobilidade social, no Sul praticamente não ocorreram mudanças relevantes.
da renda, as propriedades que as famílias detêm determinam a que estrato pertencem. Aí está, na avaliação dos especialistas, outro ponto fundamental para compreender o fenômeno que possibilitou ao Brasil recuperar-se antes e mais rapidamente do que a média dos países no mundo.

"Após experimentar certo nível de comodidade com os produtos que adquire, é difícil para uma pessoa abrir mão de gastar. Se a situação fica difícil, ela busca um trabalho extra para segurar o padrão de vida conquistado", explica William Kratochwill, pesquisador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A expansão dos salários e a queda do desemprego nos últimos anos elevaram as classes baixas a novos patamares e geraram mudanças estruturais que sustentam o consumo hoje e podem ser decisivos para o país retomar o crescimento observado até meados de 2008, diz Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas.

"A capacidade de geração de renda do brasileiro subiu. Havia a ideia de que ele era como a cigarra da fábula. Porém, agora, está em metamorfose. Busca a inserção profissional, manda os filhos para a melhor escola possível. E, quanto mais informados, mais exigentes são como consumidores", afirma Neri.

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